faço moldes da vida costuro várias idéias alinhavo sentimentos vagos prego botões sobre cada receio deixo presa na bainha da saia entre as fendas a paixão fulminante teço o tesão noturno e bordo alegria num zigue-zague de carinhos inexplicáveis ...
Imagem de Corinne Lewis
sempre os presságios um provérbio mal escrito no muro desbotado
ao som do violino a borboleta de asa negra entra pela janela aberta voa voa e se debate assustada com a porta que range
passos no meio da noite de lua cheia acorda o corvo pousado no galho seco da árvore
pequenos sinos e correntes se tocam ao movimento da velha carruagem que se perde na longa estrada
no circo abandonado lona rasgada envelhecida apenas goteira e tristeza
o palhaço em silêncio solitário no picadeiro aguarda o luto da mulher de vestido negro olhar gótico encoberto por um véu viúva do poeta suicida do cabelo undercut
sem eira nem beira passado ou futuro a vida adormece no manicômio mental
segunda-feira, 23 de julho de 2012
des(monto) quebra-cabeças mudo os móveis de lugar re(viro) velho baú des(embaraço) os cabelos des(ato) nós teço com fios redes na varanda faço malabarismos diários devaneio ao anoitecer
neste quarto viro pelo avesso piso em folhas secas engulo palavras inquietantes
rabisco nas paredes formas estranhas caricaturas
fabrico a dor esculpindo a vida com suor lágrimas e fluídos
procuro respostas - vítima ou bandida
e descubro:
sou minha pior inimiga
apenas parir poesia que vem do útero d'alma entranha chega rasgando tocando a ferida consolando
que arde explode re(mexe) encanta vibra respira inspira
que acaricia entende abençoa ilumina sagrada-oração
que é bandida dá murro na cara soco no estômago cospe vomita escarra e não pára não pára não pára
que deixa de quatro de bruços de lado por cima por baixo e acaba esgotada solitária posição fetal
que desaba desabafa rasga o véu mostra a cara corre risco sangra inflama lamenta chora ama ama ama
que deita nua amiga amante sublime poesia-mulher
perdida no emaranhado de árvores entre folhas que caem cobrindo a terra de dourado e cobre os passos hesitam nas trilhas
procuram saídas cercas derrubadas áreas nativas pontes de pedras cavernas córregos
no meio do mato respira pureza
brotam descobertas
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Ele me olhava daquele jeito suave de menino e dizia: - "é no andar da carruagem que as melancias se acomodam". Seria essa a melhor citação para me consolar dessa tristeza imensa, dessa inconformidade com uma sucessão de fatos catastróficos que vivo, desde que te perdi no verão? Farei um inventário de perdas. O que significa essa vida? Queria aprender rituais de sobrevivência. Ser abençoada por algum sacerdote poderoso.Uma pílula milagrosa que cura feridas d'alma. Parecia fácil no início, onde o sonho foi esculpido pelos cantos das ruínas. Não era grave. Era apenas um veneno suportável. Algo tóxico respirado no ar, durante o trabalho, diziam... Quem consegue superar tal dor? Quem saberia me dizer qual a parte mais dolorosa da história? E para quem? O esmagamento da memória dói! Dói esquecer? Só ele pode responder. Porque foram as lembranças que se perderam durante os anos,desde 2005 ou antes mesmo! Ninguém sabe responder. O pensamento embaralhou-se na cabeça,feito novelo de lã, tudo se perdeu. E, desde então, estamos aqui, parados no meio dessa ponte, que se interrompeu sem aviso, nos deixando perdidos,sem ar.Olhando para trás, assustados e se perguntando inconformados, sobre as causas do que aconteceu.E onde os deuses que nos protegem? A linha é tão fina, tão delicada dentro do cérebro. Somos tão pequenos... E meu Anjo de asas invisíveis está sumindo bem devagar.Me deixando sozinha no meio dessa bagunça toda chamada Vida, pedindo socorro - sem resposta - porque está perdendo a sensação de ser alguém. É lento e doloroso perder tudo, o poder de falar,decidir, reconhecer, lembrar, escrever... Não poder mais ser amigo, ser homem, ser pai, ser amante, ser inteiro! Que distância imensa entre nós agora...Que impotência e vazio face a essa imensa perda de memória. Agora apenas nosso olhar se entende nessa hora. Nosso olhar silencioso que apenas chora...
um ser espiritual ocupava o corpo da menina
ela corria livre com vestido rosa entoando uma canção infantil
era pequena com tranças e sem trancas
domingo, 8 de julho de 2012
porta trancada alguém invade minha vida
no espelho encaro de frente (não mente o olhar)
quando me vejo encontro você
fiquei cativa do teu querer
onde na cidade posso me esconder?
durmo nua esperando por você
quando acordo não é a mesma coisa quero paz esquecimento
Ela podia tudo, depois das histórias que já viveu!Podia sair de madrugada, entrar no mar de vestido branco, enfrentar o trânsito na hora mais agitada. Pesadelos não incomodavam mais nas noites de tempestades. Atravessaria o mato a pé, pisaria em cacos de vidro espalhados pelo chão, dançaria maltrapilha, mal amada, mal criada. Seguiria seu destino sem temer, porque ela podia tudo. Escrevia palavras soltas na parede do quarto, se equilibrava no salto de um sapato vermelho,roçaria o vento e cada momento. Colhia uvas direto das videiras tão carregadas.Todos os sabores! Uvas rosadas, uvas tintas e uvas brancas.Espremeria uma a uma e se lambuzaria em completa nudez. Viveria emoções que ninguém mais prestava atenção. Fazia questão! Lembranças pré-históricas a perseguiam, sujando a rua, sua cama ao anoitecer e o aquário da sala.Mas ela podia superar, sem se esborrachar no chão e cair em armadilhas.Se livraria das tentações! Ao amanhecer, sentia o cheiro adocicado do café,o perfume do sabonete e das balas de banana. Escutaria o riso da menina descalça pisando na areia, correndo livre em volta dos canteiros floridos! Ela podia tudo sim, e sempre sabia fazer a coisa simples valer a pena. Sem ambição, cheia de um amor infinito que queria ofertar. E desejos maiores! Precisava das atitudes maiores, grandes sentimentos, grandes emoções.Não bastava apenas respirar. Pensou na sua imensa dor e embrulhou para presente, com laço de fita lilás! No mato, andou, andou até cansar.Ia jogar o embrulho no abismo e não conseguiu. Lá na beira, apenas plantou amor-perfeito. Enfrentou com coragem o cansaço, o medo, lágrimas e de cabeça erguida, voltou para casa com a dor de estimação debaixo do braço. E no final, descobriu aliviada, que ela podia tudo, sim!
na tarde nublada de inverno pessoas apressadas procurando aconchego no calor do lar na calçada fria ninguém repara nele que ali fica envolto em trapos masturbando a miséria em companhia do cheiro insuportável roupas imundas barba embaraçada olhar perdido distante
quem sabe o motivo? quem imagina o que ele pensa? quem leva uma esperança?
só a menina consegue pula amarelinha na calçada e chega ao céu
Estou doando meu filho, sim, senhor juiz. Porque a vida nunca foi fácil. A rua não é lugar pra criança, tem fome,violência. Gente ruim e boa também, que como eu, só vive da caridade de alguém ( sempre sobras e migalhas)! Não sou vadia,não. senhor juiz, apenas nasci errada. Sem condições de estudar, trabalhando desde cedo. Nunca tive brinquedo. Carinho de mãe. Beijo de pai. Meu pai, não conheço, não! Minha mãe fazia a vida na calçada. Eu apenas esperava... Não quero isso pra meu filho, não! Eu peço sim, que o senhor arrume pai e mãe pro meu guri! E casa bonita. Cama quentinha. Comida farta na mesa. E, por favor, dá estudo pra ele, doutor! Sonho com isso, diploma na mão, igual ao senhor. Não sou safada, não! Emprego não consegui. Sou apenas uma mãe preocupada com bem-estar do meu menino. Vim aqui só pra pedir, senhor juiz, ajeita a vida do meu filho, pra eu poder ter paz. Nem chorar não consigo mais! As lágrimas secaram doutor! Mas, agora, com toda emoção que ainda resta aqui dentro, eu entrego e peço cuida bem do meu guri!