domingo, 29 de julho de 2012

reticências



faço moldes da vida
costuro várias idéias
alinhavo sentimentos vagos
prego botões
sobre cada receio
deixo presa na bainha
da saia
entre as fendas
a paixão fulminante
teço o tesão noturno
e bordo alegria
num zigue-zague
de carinhos
inexplicáveis
...





Imagem de Corinne Lewis

sempre os presságios
um provérbio mal escrito
no muro desbotado

ao som do violino
a borboleta de asa negra
entra pela janela aberta
voa voa e se debate assustada
com a porta que range

passos no meio da noite
de lua cheia
acorda o corvo pousado
no galho seco da árvore

pequenos sinos
e correntes se tocam
ao movimento da velha carruagem
que se perde na longa estrada

no circo abandonado
lona rasgada envelhecida
apenas goteira e tristeza

o palhaço em silêncio
solitário no picadeiro
aguarda o luto
da mulher de vestido negro
olhar gótico
encoberto por um véu
viúva do poeta suicida
do cabelo undercut

sem eira nem beira
passado ou futuro
a vida adormece
no manicômio mental

segunda-feira, 23 de julho de 2012

des(monto) quebra-cabeças
mudo os móveis de lugar
re(viro) velho baú
des(embaraço) os cabelos
des(ato) nós
teço com fios redes na varanda
faço malabarismos diários
devaneio ao anoitecer

e no final
escolho para sobreviver

meu melhor sorriso
- o matinal

domingo, 22 de julho de 2012

Tela de Victor Bauer

recito poesias
diante da janela 

aquece o sol cada palavra
murmurada como prece
voa entre as cortinas
ben(dita)

peço ao vento
meio em lamento
- sopre

leve minha rima
para que sem ver-me
ele sinta


Tela de Renso Castaneda - Pintor Peruano




neste quarto viro pelo avesso
piso em folhas secas
engulo palavras inquietantes

rabisco nas paredes
formas estranhas
caricaturas

fabrico a dor
esculpindo a vida
com suor lágrimas
e fluídos

procuro respostas
- vítima ou bandida

e descubro:

sou minha
pior inimiga


apenas parir poesia
que vem do útero
d'alma entranha
chega rasgando
tocando a ferida
consolando

que arde
explode
re(mexe)
encanta vibra
respira inspira

que acaricia
entende abençoa
ilumina
sagrada-oração

que é bandida
dá murro na cara
soco no estômago
cospe vomita
escarra e não pára
não pára não pára

que deixa de quatro
de bruços de lado
por cima por baixo
e acaba esgotada
solitária posição fetal

que desaba
desabafa
rasga o véu
mostra a cara
corre risco
sangra
inflama
lamenta
chora
ama ama ama

que deita nua
amiga amante
sublime
poesia-mulher

perdida
no emaranhado 
de árvores
entre folhas 
que caem
cobrindo a terra
de dourado e cobre
os passos hesitam
nas trilhas

procuram saídas
cercas derrubadas
áreas nativas
pontes de pedras
cavernas córregos

no meio do mato
respira pureza

brotam descobertas

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ele me olhava daquele jeito suave de menino e dizia: - "é no andar da carruagem que as melancias se acomodam". Seria essa a melhor citação para me consolar dessa tristeza imensa, dessa inconformidade com uma sucessão de fatos catastróficos que vivo, desde que te perdi no verão? Farei um inventário de perdas.
O que significa essa vida? Queria aprender rituais de sobrevivência. Ser abençoada por algum sacerdote poderoso.Uma pílula milagrosa que cura feridas d'alma.
Parecia fácil no início, onde o sonho foi esculpido pelos cantos das ruínas.
Não era grave. Era apenas um veneno suportável. Algo tóxico respirado no ar, durante o trabalho, diziam...
Quem consegue superar tal dor? Quem saberia me dizer qual a parte mais dolorosa da história? E para quem? O esmagamento da memória dói! Dói esquecer? Só ele pode responder. Porque foram as lembranças que se perderam durante os anos,desde 2005 ou antes mesmo! Ninguém sabe responder.
O pensamento embaralhou-se na cabeça,feito novelo de lã, tudo se perdeu.
E, desde então, estamos aqui, parados no meio dessa ponte, que se interrompeu sem aviso, nos deixando perdidos,sem ar.Olhando para trás, assustados e se perguntando inconformados, sobre as causas do que aconteceu.E onde os deuses que nos protegem?
A linha é tão fina, tão delicada dentro do cérebro. Somos tão pequenos...
E meu Anjo de asas invisíveis está sumindo bem devagar.Me deixando sozinha no meio dessa bagunça toda chamada Vida, pedindo socorro - sem resposta - porque está perdendo a sensação de ser alguém. É lento e doloroso perder tudo, o poder de falar,decidir, reconhecer, lembrar, escrever... Não poder mais ser amigo, ser homem, ser pai, ser amante, ser inteiro!
Que distância imensa entre nós agora...Que impotência e vazio face a essa imensa perda de memória. Agora apenas nosso olhar se entende nessa hora. Nosso olhar silencioso que apenas chora...
um ser espiritual
ocupava o corpo
da menina

ela corria livre
com vestido rosa
entoando
uma canção infantil

era pequena
com tranças
e sem trancas

domingo, 8 de julho de 2012

porta trancada
alguém invade
minha vida

no espelho
encaro de frente
(não mente o olhar)

quando me vejo
encontro você

fiquei cativa
do teu querer

onde na cidade
posso me esconder?

durmo nua
esperando por você

quando acordo
não é a mesma coisa

quero paz
esquecimento

some o desejo
inquietante

Tela de Mark Arian

Ela podia tudo, depois das histórias que já viveu!Podia sair de madrugada, entrar no mar de vestido branco, enfrentar o trânsito na hora mais agitada.
Pesadelos não incomodavam mais nas noites de tempestades. Atravessaria o mato a pé, pisaria em cacos de vidro espalhados pelo chão, dançaria maltrapilha, mal amada, mal criada.
Seguiria seu destino sem temer, porque ela podia tudo. Escrevia palavras soltas na parede do quarto, se equilibrava no salto de um sapato vermelho,roçaria o vento e cada momento. 
Colhia uvas direto das videiras tão carregadas.Todos os sabores! Uvas rosadas, uvas tintas e uvas brancas.Espremeria uma a uma e se lambuzaria em completa nudez.
Viveria emoções que ninguém mais prestava atenção. Fazia questão!
Lembranças pré-históricas a perseguiam, sujando a rua, sua cama ao anoitecer e o aquário da sala.Mas ela podia superar, sem se esborrachar no chão e cair em armadilhas.Se livraria das tentações!
Ao amanhecer, sentia o cheiro adocicado do café,o perfume do sabonete e das balas de banana. Escutaria o riso da menina descalça pisando na areia, correndo livre em volta dos canteiros floridos!
Ela podia tudo sim, e sempre sabia fazer a coisa simples valer a pena. Sem ambição, cheia de um amor infinito que queria ofertar. E desejos maiores! Precisava das atitudes maiores, grandes sentimentos, grandes emoções.Não bastava apenas respirar.
Pensou na sua imensa dor e embrulhou para presente, com laço de fita lilás! No mato, andou, andou até cansar.Ia jogar o embrulho no abismo e não conseguiu. Lá na beira, apenas plantou amor-perfeito. Enfrentou com coragem o cansaço, o medo, lágrimas e de cabeça erguida, voltou para casa com a dor de estimação debaixo do braço.
E no final, descobriu aliviada, que ela podia tudo, sim!

haicai de inverno

na tarde ensolarada
capuccino com canela
e raspas de chocolate
o barqueiro
atravessa o rio

a lua reflete
no espelho d'água

numa longa
jornada solitária

haicai

encoberto pela neblina
longe enxergo
as curvas do campanário

haicai

cresce o vento
na cidade fantasma
vazando nas frestas

quarta-feira, 4 de julho de 2012

terça-feira, 3 de julho de 2012

primeiro inverno sem teu abraço
essa morada que já habitei
meu ninho seguro
onde amor-perfeito plantei

tem sol dentro do teu olhar
campo aberto deserto
perfume de jasmim
flores no pessegueiro
(e me cuida como um jardim)

sentimos o vento que sopra leve
vindo de muito longe
guardião dos nossos mistérios
resgatando vidas passadas

no teu ser mergulho fundo
dentro dessa caverna secreta
em silêncio te escuto

apenas vivemos
sem disfarces
sem armaduras
delicados e despidos

nessa breve passagem terrena
teu ser sagrado
me abriu as portas do céu
era necessário 
longas conversas
detalhes ao acaso
ouvir histórias 
aparar arestas

tantos olhares
acontecimentos
promessas

por onde caminha
se encontra
em desencontros
na procura
da tirana emoção

ao anoitecer
chega em casa
onde lhe aguarda
a solidão

Foto de Albert Watson

a veia lateja
bate no ritmo 
do desejo
e quando usa 
batom ameixa
se transforma

tem urgência
a paixão devora
despenteada
e sem fôlego
vira louca

excitada demais
para sutilezas
esquecida
das delicadezas
apavora

(nem sente)

acontece
de repente

Poesia baseada na obra de Paula Rego, pintora portuguesa

dilata-se 
em pura emoção

respira necessidades
pelas vias
e veias

cresce a dor
levanta poeira
deixa vestígios
fareja pistas
encontra saídas
vaza amargura

na face
revela anarquia
aberta ferida

a mulher cão
no chão
esquecida

Tela "A Mulher Cão"

haicai

pássaro na gaiola olha
na velha bicicleta
o menino voa livre

haicai

observo da janela
sem cortina e vidraça
o vôo real da garça

haicai com tela de Damian Loeb


no casarão despertei
e só levantei
quando tua mão segurei