domingo, 24 de junho de 2012

Imagem de Truls Espedal

chegaste por acaso
murmurando delicadezas

só respira
perto do ouvido
e mais nada

assim levo a força
e magia das palavras
que ainda não escutei

o sabor imaginário
da tua boca
perto da minha

compartilha teu segredo
esse mistério que espero
um dia em sonhos
desvendar

(apenas repito)

só respira
perto do ouvido
e mais nada

haicai da doce espera


aquece a taça de cristal
largada frente a lareira
enquanto aguarda o casal

haicai da vida real

a feira terminou
e o povo faz a festa
com que sobrou

sábado, 23 de junho de 2012

roda a cigana
da saia floreada
balança a trança
pulseiras coloridas
colares e ancas

leva caneca 
cheia de moedas
cartas marcadas
destino traçado

dança
toca pandeiro
encantando
todo moço bonito
e moça faceira 
que passa

lê a sorte
nas linhas
da palma
da mão

descobre traição
amor bandido
e acalma
aflição

Haicais


o violino acompanha
a voz do anjo
sem asas

Sr Raimundo_Mendigo_Morador de Rua

na tarde nublada
de inverno
pessoas apressadas
procurando aconchego
no calor do lar

na calçada fria
ninguém repara
nele que ali fica
envolto em trapos
masturbando a miséria
em companhia
do cheiro insuportável
roupas imundas
barba embaraçada
olhar perdido
distante

quem sabe
o motivo?
quem imagina
o que ele pensa?
quem leva
uma esperança?

- sem tempo
ninguém repara
sentir
tua pele macia

pura textura
de pêssego

pedindo
uma mordida
agora

na cama
te(n)são

alívio
dos corpos

emoção

quinta-feira, 21 de junho de 2012

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Haicai


só a menina consegue
pula amarelinha na calçada
e chega ao céu

Estou doando 
meu filho, sim,
senhor juiz.
Porque a vida 
nunca foi fácil.
A rua não é lugar
pra criança,
tem fome,violência.
Gente ruim e boa também,
que como eu,
só vive da caridade
de alguém
( sempre sobras e migalhas)!
Não sou vadia,não.
senhor juiz,
apenas nasci errada.
Sem condições de estudar,
trabalhando desde cedo.
Nunca tive brinquedo.
Carinho de mãe.
Beijo de pai.
Meu pai, não conheço, não!
Minha mãe fazia a vida
na calçada.
Eu apenas esperava...
Não quero isso
pra meu filho, não!
Eu peço sim,
que o senhor
arrume pai e mãe
pro meu guri!
E casa bonita.
Cama quentinha.
Comida farta na mesa.
E, por favor,
dá estudo pra ele,
doutor!
Sonho com isso,
diploma na mão,
igual ao senhor.
Não sou safada, não!
Emprego não consegui.
Sou apenas uma mãe
preocupada
com bem-estar
do meu menino.
Vim aqui
só pra pedir,
senhor juiz,
ajeita a vida
do meu filho,
pra eu poder ter paz.
Nem chorar
não consigo mais!
As lágrimas secaram doutor!
Mas, agora,
com toda emoção
que ainda resta
aqui dentro,
eu entrego
e peço
cuida bem
do meu guri!

Haicai


mágico é o espelho
apenas iluminado
pelo candelabro

Haicai

passa o vento
figueira cercada de asfalto
resiste ao tempo

Haicai

o sol ilumina o vazio
da cadeira de balanço
daquele que partiu
chegou graciosa
espalhando cheiro 
de notas frutais

causava espanto
dispensava lamento
tinha outra por dentro

indecorosa
na medida certa
sarcástica
tensa

sabia
se manter
em pé

na turbulência

Haicai

no bico do seio
o leite alimenta
conta-gota da vida

era ancião
com peso da vida
nas costas
ouvindo no rádio
que vai nevar

caminhava
a passos lentos
no pátio da casa
aproveitando
o calor do sol

tinha insônia
horas que passam devagar
tudo era mais lento

no relógio da sala
tique taque
que saudades

o inverno chegou
a manta
que ganhou do filho
cobria seus ombros
encurvados
frágeis

ao longe
um cão late
não sabia o que ouvir
um tango de gardel
ou samba de noel

na foto da estante
o sorriso da mulher
que temperou sua vida
com prazeres
da carne
e literatura
- um sorriso constante

novamente
não lembrava
onde guardou os óculos
(talvez esquecido
em alguma gaveta vazia)

o relógio
continua a andar
tique taque
sem parar

sente algumas dores
no corpo
e na alma

não é a solidão
que incomoda
nem o tique taque
do relógio da sala
eram as lembranças
(feito fantasmas)
no silêncio

assombrando

encontro



na noite fria
a distancia é longa

o amor avança
sem dormir contigo

e nos consome
insones

Tela de Júlia Aumller


meio cigano solitário
com cicatrizes no peito
e alguns defeitos

memorizava momentos
em tintas coloridas
telas inacabadas

lembranças
de velhos amores
histórias,cheiros e sabores

o tempo passa rápido
viagens, desenhos, rabiscos
África, Espanha, Paris

olhava pela janela do quarto
cerejeiras em flor
o céu azul

queria ela na sua cama
dormir de conchinha
descansar o espírito maduro

sem perder tempo
ela nua
ah, o tempo

glicínias púrpuras
céu azul
muito azul

Camille


Camille
aprendiz esquecida
de Rodin

Tela de Sandrine Pelissier

vinda do barro
ao depósito de mármore
escolheu
a grega pirâmide Paros
onde um talhe mal dado
seria fatal

(esculpiu
um pé perfeito)

tinha audácia
modelava com coração
criando formas
onde o corpo humano
se move
palpita
vibra

(só na sombra
se vêem os perfis)

entregou-se
a genialidade do Mestre
com enfurecida inspiração
transformando
a pedra branca
em gente

o cheiro puro do Pitacci
ferramentas
nas mãos delicadas
foi fonte de inspiração
e paixão
criando formas
fortes
ternas
no gesso pesado
grudento

o gênio assusta
sua obra inquietante
a menina
as faladeiras

dorme nua
acreditando
que ele está ao seu lado
mas quando acorda
não é verdade
eram apenas dois fantasmas
num terreno baldio

atormentada no medo
achando-se perseguida
foi enterrada viva

sublime
na sua arte
eterna

Pintura de Alfredo Volpi - A menina triste -

matou 
a mente
inocente
usando 
poder

abusou
da criança
marcando
o corpo
(a alma)

criou
raízes
a dor
profunda
(sem cura)

ela chora
se culpa
se cala
receia
respirar

não entende
(mas sente)
que ele
vai
voltar
e assustar

onde o anjo
que protege?

dorme
menina

esquece
a alegria mora no peito
do meu povo guerreiro

entre risos e cantos
não lamentam
seus desencantos

logo pela manhã
ao sabor
do café com leite
pão com manteiga
meu povo agradece
de mãos postas

o milagre
de conseguir
sobreviver
por mais um dia
em penitência
ouve sinos
que badalam
ao longe

ora
espera

ora
espera

chora
e
chora
foi uma das primeiras
enfermeiras
da cruz vermelha

naquele domingo
lastimava arrependida
do erro cometido
-abortou um filho

chorava a solidão
dentro do asilo

face envelhecida
sem amor
sem visita
ela disse sim
olhar perdido
entre as hortênsias
buscando a lua
nas ruínas

tinha visões
pequenas catástrofes
não sei
(por desespero
ou misticismo)

mania de tentar
descobrir o destino
nas estrelas
entrelinhas da magia
calendário dos maias
fórmulas secretas
ciclos lunares
anos solares
astrologia
alquimia

ela disse sim
acredito

vernissage



no quadro exposto
meu sentir tímido
caminha 
no chão molhado

em imagem
surrealista
nós no peito
galhos secos
me cercam

mãos que tecem
a rede
que prende

te liberto
da corrente
mas não desato

serei ninho
ou
armadilha?
dobro
a esquina

encontro
obstáculos
imprevistos
charadas
meus erros

(com licença)
preciso
respirar

sem endereço



largado 
na calçada
provoca
compaixão

instiga
dá medo
revira
emoção

veste sujeira
se aquece
no aguardente

na porta
da igreja
não entra
não reza

ouve sinos
espera

um nada
que sente

não seguro mais
palavras
que enrubescem
a face

frases
que tocam
as feridas

criada
por lobos
quero todas
as liberdades

deixe-me aqui
víbora lânguida
de olhos vendados

águia livre
prenha de desejos
alçando vôos
cada vez mais altos

(confesso)

no caos
me liberto

na penumbra do quarto
acendia o desejo no olhar

não tinha pressa
sabia que ela chegaria

ouviria os passos no corredor
os pés pequenos
ligeiros

imaginaria seu calor
o beijo molhado
o seio roçando seu peito
no abraço apertado

ela não tarda
era certo que viria
no seu ouvido
(encabulada)
falaria com ardor

- meu amor

Oração


meu único senhor
que estais longe de mim
santificado seja
teu corpo que me aquece

sinto tanto frio
ciúme ardente
e sagrado
é meu querer

bendito seja teus beijos
que aliviam meus desejos

é escuro aqui
sem tua presença
e ficar distante
já é castigo

tens o poder
do milagre
da minha cura

eu rogo por ti
em silêncio
me ajoelho
aos teus pés
te entrego
minha alma
meu corpo
agora e sempre

e te peço
vem

amém
até em sonhos
cometo loucuras

preciso 
de algum ungüento
ligeiro

só assim
eu aguento
espio da janela
ele passa 
bonito 
único

andar gingado
assobiando

pronto
para sair
dançando

não me peça
que eu tire a roupa
agora

quero saber
poder conhecer
esquecer do corpo
visitar a alma

me enfeitar
com flores
ser feliz comigo
te pedir
que pare de olhar
para o próprio umbigo

não me fale de amores
da boca para fora

presta atenção
me sorve devagar
sem pressa

mostra o que sente
fala o que pensa
esquece tudo
apenas seja

mas não me peça
que eu tire a roupa
agora

Tela de Maria Amaral


minha dor
nada acalma
dá voltas
rodopia

se encaixa
entre as pernas
recheada de agonia

a safada
tem pegada
provoca
nuas verdades
encara
olho no olho

minha dor
virou um tango argentino
puro desatino


Imagem "Amarrada" de Haleh Bryan

perdeu a razão
arriscou tudo
enlouquecida

agora sóbria
de bolsa lilás
tomou sua vida
de volta

aliás
até gostava
mas ele agarra
com força
demais


tua boca
me procura
com gosto
de cravo
mastigado

entre
os dentes
a língua
sente
meu sabor

prazer
que mistura
saliva morna
neste beijo
que demora

cria 
uma canção
em meu corpo

faz vibrar
com teus dedos
meu instrumento
musical

executa
todas as notas
(possíveis
e impossíveis)
dentro de mim

prostrada
na almofada
te peço
desorientada

-me aprecia
dedilha